domingo, 28 de novembro de 2010
URSS: o gigante se levanta
Quando os operários assumiram o controle das fábricas e os camponeses, das terras, Lenin talvez não imaginasse que os russos ainda sofreriam tanto para que o socialismo se consolidasse na Rússia. Com medo de que os ideais revolucionários se espalhassem pelo mundo, as grandes potências da época apoiaram a contra-revolução e invadiram o país em várias frentes. O Exército Vermelho, organizado por Trotski, conseguiu expulsar os inimigos. “Mas ninguém acreditava que os comunistas se sustentariam no poder por muito tempo”, diz Osvaldo Coggiola, professor titular de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP).
Embora vitoriosos, diz Coggiola, os bolcheviques tinham sofrido um importante revés durante a Guerra Civil. Em 1920, quando invadiram a Polônia, eles achavam que os operários do país vizinho seriam seus aliados e estariam prontos para um levante proletário semelhante ao russo. Mas estavam enganados. “O espírito nacionalista falou mais alto e os trabalhadores poloneses pegaram em armas contra o Exército Vermelho”, explica o professor. A Polônia acabou se transformando numa verdadeira muralha entre a Rússia e Alemanha, o que impediu o avanço da revolução bolchevique rumo ao Ocidente.
Lenin apostava na internacionalização do movimento comunista. Trabalhadores tomando o poder nos países vizinhos garantiriam a sobrevivência de sua própria revolução. Sem conseguir exportá-la, o líder bolchevique teve de recorrer ao chamado “Comunismo de Guerra”, ainda durante a Guerra Civil. Estatizou bancos, aboliu o uso de dinheiro no comércio (tudo era negociado na base da troca) e tomou à força a produção de milhares de camponeses para alimentar o Exército. O resultado foi desastroso. A falta de alimentos tornou-se um problema ainda maior, matando de fome milhões de pessoas.
Um passo atrás, dois à ferte
Percebendo a inviabilidade do sistema socialista sobre tamanha ruína econômica, Lenin decidiu dar um passo atrás: em março de 1921, implementou a Nova Política Econômica (NEP). Na prática, ela significava o abandono temporário do princípio comunista de estatização da economia. Tudo para que, logo em seguida, os revolucionários pudessem dar dois passos à frente. Segundo o historiador Philip Clark, no livro A Revolução Russa, os camponeses foram autorizados a vender novamente seus produtos nos mercados (e não ao governo) e a iniciativa privada passou a ser tolerada em pequena escala. “Lenin dizia que a NEP era um capitalismo de Estado, com conteúdo socialista, sob o controle dos trabalhadores”, explica Antonio Carlos Mazzeo, professor de Ciências Políticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Um ano mais tarde, a economia já dava claros sinais de recuperação – o bastante para que a URSS fosse fundada, em 1922, por quatro repúblicas soviéticas (veja ilustração acima).
Segundo Mazzeo, a NEP favoreceu o fortalecimento do novo país. “Essa política ajudou a URSS a ser reconhecida internacionalmente como Estado nacional no mesmo ano de sua fundação.” Na fase do tal “capitalismo de conteúdo socialista”, os soviéticos chegaram a retomar relações econômicas com a Inglaterra e a Alemanha. Àquela altura, os bolcheviques estavam consolidados no poder, em todas as repúblicas. “O regime vigente já era de partido único”, diz o professor Coggiola. “Não havia qualquer oposição política dentro da URSS.”
Antes da morte de Lenin, em 21 de janeiro de 1924, o Partido Comunista passava por um processo de intensa burocratização. Stálin, então secretário-geral, detinha um poder autônomo dentro do partido. No exercício desse poder, criou um sistema de indicação de funcionários. “Lenin se opôs a essa política, mas acabou sendo impedido de cortar as asas de Stálin por causa de seu primeiro derrame, em 1923”, afirma Coggiola. No fim daquele ano, Trotski e outros dirigentes importantes do Partido Comunista formaram uma oposição. Stálin manobrou nos bastidores, aliou-se aos opositores de direita e derrotou os trotskistas em 1927. Mais tarde, em 1929, eliminaria também seus aliados – e, com eles, a NEP.
Briga pelo poder
Ao contrário de Lenin e Trotski, que defendiam a exportação do comunismo, Stálin considerava que a revolução deveria ser feita apenas dentro da URSS. Algo parecido com aquela velha teoria: primeiro, é preciso fazer o bolo crescer, para depois reparti-lo. Na concepção de Stálin, se a indústria pesada fosse bem desenvolvida, o Exército Vermelho iria se transformar em uma força infalível. E o mundo, então, poderia ser socializado.
“Trotski não era um louco. Ele entendia que o partido deveria manter uma política revolucionária tanto externa quanto internamente, o que significava combater os privilégios por meio da democracia soviética”, diz o professor Osvaldo Coggiola. “Foi aí que ele perdeu a disputa. Fazer apelo à democracia, quando a maioria dos soviéticos estava preocupada com a simples sobrevivência, era tentar levantar uma força social que simplesmente não existia naquele momento.”
Criador do Exército Vermelho, Trotski poderia ter optado por um golpe de Estado contra Stálin. Afinal, seria fácil articulá-lo – a maioria dos oficiais de alta patente devia sua carreira a ele. “Mas isso significaria a instauração de um regime militar”, afirma o professor da USP. “E Trotski não havia feito a Revolução de 1917 para que ela se transformasse em uma ditadura.” Acusado de praticar “atividades antipartidárias”, Trotski acabou sendo expulso do Partido Comunista soviético em 1927 e foi obrigado a demitir-se do cargo de Comissário da Guerra. Exilou-se em vários países até chegar, em 1937, ao México, onde seria assassinado três anos depois.
Ditadura Stalinista
Com Trotski fora da briga pelo comando da URSS, Stálin desenvolve sua idéia de “socialismo em um só país” com a adoção dos chamados Planos Qüinqüenais. Esses planos determinavam, de cinco em cinco anos, quanto dinheiro seria investido em quais setores da economia. O maior objetivo da planificação econômica, iniciada em 1928, era a coletivização da agricultura e o incentivo à indústria de base. Bastariam dez anos para que essa estratégia apresentasse resultados surpreendentes. Em 1938, a economia soviética já estava completamente transformada. A produção de carvão, por exemplo, passou de 30 milhões para 133 milhões de toneladas, enquanto a de eletricidade saltou de 6 bilhões para 40 bilhões de kWh.
A boa fase da economia não significava, porém, que o dirigente soviético voava em céu de brigadeiro. Para Osvaldo Coggiola, Stálin não conquistou o “verdadeiro poder absoluto” ao derrotar Trotski. “Ele eliminou um opositor muito forte, mas dentro de sua própria facção já se expressavam opiniões contrárias.” Em 1934, no 17º Congresso do Partido Comunista, Stálin ficou em último lugar nas eleições para o Comitê Central, enquanto um de seus opositores, Sergei Kirov, foi o mais votado. “Aí, ele decidiu limpar seu próprio campo”, diz o professor. O assassinato de Kirov com um tiro na nuca, em dezembro de 1934, inaugurou a fase dos grandes expurgos.
Nos anos de 1936, 1937 e 1938, os chamados Processos de Moscou simplesmente aniquilaram a oposição ao stalinismo. Toda a “velha guarda” bolchevique e os principais dirigentes da revolução de outubro foram assassinados. “Stálin aproveitou para eliminar também todos os quadros do 17º Congresso”, afirma Coggiola. “Quase 2 mil delegados foram fuzilados.”
Até a morte de Stálin, em 1953, a URSS seria transformada em uma das grandes potências econômicas do mundo. E iria se converter também em uma incrível potência militar, capaz de decidir a Segunda Guerra Mundial a favor dos Aliados (leia mais no quadro abaixo). Ambos os “milagres”, no entanto, custaram caro ao povo soviético. “Tanto o caráter democrático-popular quanto a natureza socialista da URSS acabaram diluídos pelo stalinismo”, afirma Lúcio Flávio Rodrigues, professor de Ciências Sociais da PUC de São Paulo. “Sob Stálin, não houve socialismo de fato. Seu regime opressivo significou a derrota dos ideais revolucionários.” \
O pior pesadelo de Hitler
Comandada por Stálin, a URSS desempenhou um papel decisivo na Segunda Guerra Mundial. Foi ela a responsável pela grande ofensiva contra a Alemanha de Hitler que permitiu a vitória dos Aliados. Na lendária Batalha de Stalingrado, travada entre agosto de 1942 e fevereiro de 1943, os nazistas experimentaram pela primeira vez o sabor de uma derrota arrasadora. Dali em diante, eles sofreriam seguidos revezes. Britânicos e americanos fustigariam o Terceiro Reich no front ocidental, enquanto o Exército Vermelho avançaria pela frente oriental. Em abril de 1945, os soviéticos iniciam o cerco a Berlim, coração do império nazista. Hitler suicida-se. E a guerra na Europa finalmente chega ao fim.
O curioso dessa história é que Stálin nem sempre foi um adversário do Führer. Na primeira fase do conflito, a URSS até fornecia armamentos e comida para as tropas alemãs. Àquela altura, vigorava um pacto de não-agressão entre soviéticos e alemães. Esse pacto seria quebrado em julho de 1941, quando Hitler decidiu invadir a URSS. Essa iniciativa acabaria se revelando uma péssima idéia – a reação soviética marcaria o início do fim para o nazismo.
Com o término da Segunda Guerra Mundial, a Europa seria virtualmente dividida ao meio. A metade ocidental ficaria sob forte influência política e econômica dos EUA, enquanto a metade oriental sucumbiria ao controle da URSS. “Uma cortina de ferro desceu sobre o continente”, afirmaria o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, em 1946. A Guerra Fria estava começando.
site:http://historia.abril.com.br/politica/urss-gigante-se-levanta-435629.shtml
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