quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Templários e monges da pesada


Saladino era um soberano conhecido por sua serenidade. Mas não durante a guerra. Logo após a Batalha de Hattin, em 1187 (em que os exércitos cristãos da Terra Santa foram massacrados), o soberano da Síria e do Egito tomou uma decisão cruel. Reuniu os 230 cavaleiros templários e hospitalários que foram feitos prisioneiros e ordenou que renegassem a cruz para abraçar o Islã. Quem se recusasse seria decapitado ali mesmo. Se fossem outros os prisioneiros, a proposta talvez fosse aceita pela maioria. Para aquele grupo de fanáticos monges guerreiros, porém, a oferta era uma ofensa. Nenhum deles concordou. Saladino então teria dito: “Vou purificar a terra dessas raças impuras”. Foram todos decapitados.

Pode ter parecido uma solução radical, mas na verdade, para os sarracenos, os templários e as outras ordens de monges guerreiros eram muito temidos. “Ordens militares, como a dos templários, hospitalários e cavaleiros teutões, uniam duas características explosivas: o fanatismo cristão medieval e o tradicional amor às armas da nobreza franca”, explica o professor Wilson Batista, professor do departamento de história da Universidade de São Paulo.



Já para os cristãos que visitavam a Terra Santa, esses soldados de Cristo eram a salvação da lavoura. Um relato de um peregrino anônimo, datado entre os séculos 12 e 13, elogia a ordem assim: “Os templários, com seus mantos brancos e a cruz vermelha, são os mais excelentes soldados. Quando dirigem-se à batalha, o fazem em silêncio. Quando atacam, são absolutamente terríveis: sempre os primeiros a mergulhar no combate e os últimos a sair. Com tudo terminado, ajoelham-se no campo de batalha e em coro repetem o salmo de Davi: ‘Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória’”.

A ordem dos templários surgiu timidamente. Foi uma iniciativa de apenas nove companheiros de armas, liderados por Hugo de Payns, cavaleiro oriundo da pequena nobreza franca. Em 1114, como todo bom cristão, Hugo participou de uma expedição de cavaleiros francos que prestavam serviços à fé combatendo na Terra Santa. Naquela época, os cristãos tinham recentemente conquistado Jerusalém, em 1099, fixando quatro pequenos territórios no litoral da Palestina: os condado de Trípoli e de Edessa, o principado de Antióquia e, claro, o Reino de Jerusalém.

Defensores do Santo Sepulcro

Quando Hugo chegou lá, não gostou do que viu. Apesar de a Terra Santa estar na mão dos cristãos, os peregrinos que tentassem alcançar Jerusalém eram vítimas de bandidos e saqueadores. Com a pouca guarnição de que dispunham, os soberanos cristãos faziam milagres para defender, por exemplo, o Santo Sepulcro. “A escassez de potencial humano era comum desde o começo. Em Jerusalém, Godofredo de Bulhões foi deixado com cerca de 300 cavaleiros e mil soldados de infantaria”, relata o historiador Piers Paul Read, autor do livro Os Templários.

Assim, em 1118, Hugo e oito camaradas tomaram uma decisão. Como eram experimentados no uso da espada, ficariam na Terra Santa para ajudar a defender o Santo Sepulcro e proteger os peregrinos dos salteadores. Queriam também viver como monges, obedecendo aos votos de pobreza e castidade. O novo rei de Jerusalém, Balduíno II, não só apoiou a iniciativa como instalou os cavaleiros na atual mesquita Al-Aqsa (que fica no alto do monte onde, acredita-se, existiu o Templo de Salomão). Foi daí, aliás, que a ordem tirou seu nome: Ordo Pauperum Commilitonum Christi Templique Salominici, que significa Ordem dos Pobres Soldados de Cristo do Templo de Salomão, encurtado para Templários.

Quase não há referências a suas ações durante os primeiros anos de existência da ordem. Em 1127, Hugh de Payens voltou à Europa em busca de recursos. E foi lá que a idéia dos monges guerreiros chegou aos ouvidos de Bernardo de Clarvaux, mestre linha-dura dos monges cistercienses. Ficou maravilhado com a história de cavaleiros de Cristo. “Ele até escreveu um manifesto em favor da cavalaria. E também redigiu as regras da ordem”, conta o teólogo Ricardo Gonçalves, professor aposentado da USP.

Bernardo convenceu ainda o papa Honório II a aprovar oficialmente a ordem, em 1128. E concedendo a eles uma série de isenções e privilégios, das quais o mais notável era o direito de se reportar diretamente ao papa. Quanto ao fato de os monges terem direito a derramar sangue, o próprio Bernardo ofereceu a explicação. Matar era errado. Porém matar em nome de Deus não era homício, mas malecídio (matar o mal). Assim, matar o mal era correto. Os templários não deveriam ter nenhum peso na consciência por massacrar os infiéis.

O apoio do papa se provou crucial para o crescimento da ordem. Em pouco tempo, vários membros da nobreza francesa destinavam recursos regulares à cavalaria. Mesmo quem nunca havia combatido na Terra Santa deixava como herança propriedades ou enormes somas de dinheiro para os pobres guerreiros do templo. E, a essa altura, eles eram tudo menos pobres. O rei Henrique II, da Inglaterra, por exemplo, doou em seu testamento 20 mil marcos para uma cruzada, 5 mil para os templários e 5 mil para os hospitalários, uma fortuna na época. Isentos de impostos e do dízimo, os templários logo descobriram um novo ramo de atuação: se tornaram o primeiro banco internacional da história. “Eles viraram credores dos maiores reinos da Europa. Eram uma verdadeira multinacional”, aponta Helen Nicholson, professora especializada em ordens militares medievais da Universidade de Cardiff, na Inglaterra.

Monges linha-dura

O dinheiro não amaciou a vida dos templários, regida pelo duríssimo regime cisterciano de Bernardo de Clarvaux. “Cada aspecto do dia-a-dia era regulado nos mínimos detalhes. Como e a que horas comer, de que maneira deveriam ser seus aposentos, qual a sua vestimenta, qual o procedimento em batalha e até como cortar um queijo. Ao todo, eram mais de 600 artigos”, comenta Paul Crawford, professor do Alma College, em Michigan, nos Estados Unidos, e consultor do canal de TV History Channel. Se por acaso algum templário “virasse as costas para o inimigo” (ou seja, fugisse), voltasse vivo depois de uma derrota ou brandisse armas contra cristãos, ele teria uma punição duríssima. Seu manto branco seria confiscado, e ele, afastado da comunidade. Mais: obrigado a comer no corredor de castelos, sem sequer um reles guardanapo, pelo período de um ano.

A pena maior, entretanto, estava destinada aos homossexuais. Quem fosse acusado do “vício abjeto” não só perdia o manto para sempre como ainda tinha que obrigatoriamente expiar os pecados de seu ato em outra ordem religiosa não combatente. Para afastar qualquer tentação, havia uma lei bem específica nos regimentos da ordem: os templários jamais deveriam dormir no escuro, mas sempre com uma vela para iluminar o ambiente.

O regime espartano regado a altas doses de fanatismo religioso fez escola. Na trilha dos templários, surgiram diversas outras ordens de monges guerreiros, sempre escudadas pelo binômio armas e fé. Com rigorosa disciplina, disposição para enfrentar o clima árido do Oriente Médio e, principalmente, furor em combate, esses cavaleiros foram responsáveis por sustentar as possessões cristãs do além-mar até o inevitável fim, ocorrido com a queda da cidade costeira de Acre, em 1291. A propósito, em Acre os templários mais uma vez mostraram por que eram considerados os inimigos mais perigosos dos muçulmanos. Quando, ao anoitecer do dia 18 de maio, os mamelucos tomaram a cidade, apenas um lugar permaneceu de pé, intacto: a fortaleza que os templários possuíam na cidade.

O sultão Al-Ashraf, sabendo que teria de encará-los, preferiu oferecer aos 200 templários restantes um salvo-conduto: deixar a cidade a bordo de seus navios, levando os tesouros da ordem. Em princípio, os cavaleiros concordaram e abriram as portas do castelo. Porém, quando viram os soldados do sultão maltratar as mulheres e crianças que haviam se abrigado na fortaleza, o sangue dos templários ferveu. Então, discretamente, fecharam as portas do forte, desembanharam as espadas e massacraram a guarnição de mamelucos que estava dentro do pátio. Para espanto do sultão, a bandeira da ordem foi novamente erguida na fortaleza, indicando que eles resistiriam até o fim. E foi isso que fizeram. Diante do assalto final, realizado em 28 de maio, lutaram até o último homem. Encerrava-se ali a luta pela Terra Santa. Como sempre, os templários foram os últimos a permanecer em combate.

site:http://historia.abril.com.br/religiao/templarios-monges-pesada-434456.shtml

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