domingo, 14 de novembro de 2010

Divino Júlio César


Muita gente acha que os gênios já nascem prontos. Todo mundo conhece a história de Mozart encantando soberanos da Europa com meros 5 anos de idade, ou de Pelé deixando os suecos boquiabertos quando não passava de um meninote de 17. Mas, para o homem cujo nome virou sinônimo de imperador e general, as coisas aconteceram bem mais devagar. Ele teve de esperar a maturidade para mostrar a que veio, galgando o poder aos poucos, de mansinho – ascensão que, aliás, combinava bem com a personalidade desse mestre conciliador. César governou para valer os gigantescos domínios de Roma por apenas quatro anos, mas a influência do “Divino Júlio”, como seus conterrâneos passaram a conhecê-lo depois da morte, dura mais de dois milênios.

Ganhar fama de divino, aliás, era algo que andava nos planos da família de Caio Júlio César desde que Roma era Roma. Ou quase: há quem diga que, na verdade, a família chamada Iulia viera de Alba Longa, uma cidade vizinha, onde nasceu Rômulo, o fundador de Roma. Mania de grandeza à parte, o fato é que o jovem Júlio, nascido por volta do ano 100 a.C. (não se sabe a data exata), não teve muita chance de lucrar com sua origem divina durante a juventude. A coisa mais esperta a fazer era ficar de boca fechada, porque ele cresceu durante um dos períodos mais turbulentos da história romana. Por séculos, a cidade-estado tinha sido governada pela esquisita mistura de oligarquia e democracia que os romanos chamavam de república, com o poder distribuído desigualmente entre os legisladores do Senado, o “poder executivo” representado pelos cônsules e a pressão constante do povo romano, que participava de eleições e era representado pelos tribunos.



Com a onda de expansão que, nos séculos 3 a.C. e 2 a.C., transformaram Roma na senhora do mar Mediterrâneo, esse sistema político complicado começou a irritar os camponeses livres, que estavam perdendo poder para os grandes donos de terras e escravos. O resultado de toda essa mudança é que a vida política passou a se dividir em dois grupos extra-oficiais. Eram os Optimates, o partido aristocrático, que não estava nem um pouco preocupado em aliviar os problemas sociais da nova superpotência, e os Populares, que reconheciam essa necessidade – no mínimo para tentar usar a seu favor a boa vontade do povo e do exército.

Assim como seu tio, o grande general Mário, César era um dos Populares – e eles sofreram um senhor golpe quando o líder aristocrático Sila derrotou Mário e se tornou o líder supremo da República em 82 a.C. Sila expulsou um monte de gente, e o jovem César precisou de esperteza e sorte para escapar das perseguições. “Essa talvez seja a melhor explicação para o fato de César só ganhar destaque num momento relativamente tardio da sua vida. As circunstâncias fizeram com que pessoas do partido de Mário, como ele, fossem barradas pelo regime de Sila”, afirma o historiador e arqueólogo Pedro Paulo Funari, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ajudado por amigos influentes, César foi chamado para participar do cerco a Mitilene, uma cidade grega que tinha se aliado ao maior inimigo de Roma na época, o rei Mitridates do Ponto (no atual mar Negro). Foi ali que ele conheceu o rei Nicomedes da Bitínia e iniciou com o nobre de origem helênica um relacionamento que muita gente chegou a considerar como amoroso. Com ou sem esse caso de amor homossexual, o fato é que o período vivido na Ásia Menor foi uma experiência proveitosa para César. Como todos os jovens com aspirações políticas de seu tempo, ele se interessava por retórica e oratória, e decidiu partir para a ilha grega de Rodes para estudar os dois temas com os grandes mestres helênicos. É possível que sua fama de grande escritor (exemplificada pelos clássicos Da Guerra da Gália e Da Guerra Civil) se deva às lições que tomou nessa época.

Defensor do povo

Sila renunciou ao poder e morreu em 78 a.C., o que permitiu a César um retorno seguro a Roma e a possibilidade de iniciar uma carreira política. Logo tornou-se conhecido pela defesa de causas consideradas populares. Foi assim que ganhou seu primeiro comando militar importante, tornando-se procônsul da Hispânia – trecho da península Ibérica que englobava tanto áreas da Espanha quanto do atual Portugal. César cumpriu com perfeição seu dever de pacificar a região, mas, conta o biógrafo grego Plutarco, não estava satisfeito com o rumo de sua carreira até ali. Ao ler sobre os triunfos de Alexandre Magno, ele teria começado a chorar de repente. Seus amigos perguntaram qual era problema, e ele respondeu: “Não vos parece ser digno de tristeza que, na minha idade, Alexandre já era rei de tantos povos, enquanto eu ainda não consegui nenhum sucesso tão brilhante?”

Ao lado de Crasso e Pompeu, dois aristocratas ambiciosos que haviam conseguido fama e influência graças a suas vitórias militares, César formou uma aliança que passaria a ser conhecida como o Primeiro Triunvirato. Para os romanos da época, o acordo entre o trio virou sinônimo de uma panelinha secreta e sinistra, na qual cada um se dispunha a facilitar as ambições políticas do outro. Uma espécie de pacto de não-agressão. Não demorou muito para que o acordo funcionasse em favor de César, que galgou o posto mais alto da República, o de cônsul, em 59 a.C. De quebra, ganhou o comando das províncias da Gália Cisalpina, a região da Itália entre os Alpes e o rio Pó. Nessa época, César soube que os helvécios, um povo celta aparentado dos gauleses, estava prestes a realizar uma migração em massa para a Gália, atravessando a rica província romana do sul da atual França (chamada até hoje de Provença) e pondo em risco os aliados gauleses de Roma.

“Alea jacta est”

A campanha da Gália, que se estendeu até 50 a.C., marcou o ápice dos triunfos militares de César, que levou o estandarte das legiões romanas para os confins do mundo conhecido pelos seus compatriotas, como a Germânia, além do rio Reno e da Grã-Bretanha. Nesse meio tempo, o triunvirato tinha virado fumaça. Crasso morreu numa malfadada tentativa de conquistar os partos, donos de um império na Mesopotâmia e na Pérsia. Pompeu, antes genro de César, cortou boa parte dos laços que tinha com o sogro quando Júlia (a filha de César) morreu ao dar à luz. O bebê viveu apenas alguns dias. O Senado, a principal força política de Roma, concedeu a Pompeu autoridade sobre os exércitos da República. Os políticos de Roma exigiram que César renunciasse a suas legiões se quisesse voltar à cidade. E isso ele jamais faria. Ao se aproximar da fronteira da Gália com a Itália, César teria pronunciado a frase famosa: “Alea jacta est”, ou “a sorte está lançada”. Derrotado, Pompeu fugiu e foi assassinado. Aí foi só questão de tempo até César pacificar todo o império em 46 a.C.

Assumindo o título de ditador perpétuo (uma alteração do velho cargo romano de ditador, que dava poderes quase ilimitados a uma pessoa durante emergências), César passou a mandar e desmandar. Contudo, seu governo foi extremamente conciliatório se comparado aos expurgos e perseguições promovidos por Sila. Mesmo assim, conspiradores da facção aristocrática do Senado cercaram César no dia 15 de março de 44 a.C. Uma porção de punhaladas tirou a vida do ditador, que tentou se defender usando o estilo, uma espécie de pena de metal usada para escrever. O crime dos Optimates não salvou a República. De um novo triunvirato e de uma nova guerra civil emergiu Caio Octaviano, ou Augusto, o sobrinho-neto de César que se tornaria o primeiro imperador romano.

site:http://historia.abril.com.br/politica/divino-julio-cesar-435248.shtml

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