quinta-feira, 18 de novembro de 2010

San Martín: o libertador da América


Janeiro de 1817. O vento gélido dos Andes penetrava fácil nos uniformes esfarrapados de um dos exércitos mais obstinados das Américas. Os ponchos doados pelas mulheres identificadas com a causa da libertação não eram capazes de resguardar o calor da tropa. As alturas das montanhas, que tantas vidas cobraram, eram o primeiro e, talvez, o mais cruel inimigo daqueles homens. A cada passo, o objetivo parecia ficar mais distante. Entre os cavalos e mulas que levavam soldados e mantimentos, somente os mais fortes e afortunados sobreviveriam. Para aqueles que acreditaram no ideal da revolução, não seria diferente. Mas no comando daquelas centenas de homens havia um general determinado e em busca de seu grande ideal: um continente livre e soberano.

Quase trinta e nove anos antes, no dia 25 de fevereiro de 1778, num povoado às margens do rio Uruguai chamado Yapeyú – atual província de Corrientes, na Argentina –, nascia José Francisco de San Martín. O sangue dos colonizadores corria forte em suas veias. Ele era o quinto filho do governador da região, o capitão espanhol Juan de San Martín, e de Gregória Matorras, descendente de uma família de conquistadores também espanhóis. Logo aos 6 anos, a ligação de seu pai com a terra natal o levaria pela primeira vez ao Velho Continente. Foi na Espanha que San Martín iniciou sua bem-sucedida carreira militar. Aos 13 anos, ele já participava de seu primeiro combate, durante o sítio à atual Argélia.



Sua bravura e o aguçado senso estratégico logo o colocaram em evidência. Em 19 de julho de 1808, o jovem San Martín liderou o Regimento de Bourbon contra as tropas de Napoleão e ajudou o exército de Andaluzia a dobrar as forças francesas. A batalha de Baylén foi a primeira grande derrota de Napoleão e culminou com a libertação de Madri.

Na maçonaria

Foi nesse período que ele conheceu um nobre escocês chamado Lorde Macduff, que o apresentou à maçonaria. Durante os encontros secretos, conheceu o ideal de libertação da América espanhola e, em 1811, pediu dispensa dos serviços militares. Viajou então para a Inglaterra, onde conheceu outras personalidades que defendiam a independência latino-americana, e no ano seguinte decidiu voltar ao Rio da Prata. Em 9 de março de 1812, após 50 dias de navegação, San Martín desembarcava em Buenos Aires. Na bagagem ele carregava a experiência de 22 anos de serviço militar e uma lição talvez mais preciosa: a campanha contra a França lhe ensinara do que é capaz um povo que luta pela própria liberdade. San Martín encontrara seu ideal.

Seu primeiro grande desafio militar em terras sul-americanas aconteceu em 3 de fevereiro de 1813. Entre os barrancos de San Lorenzo, às margens do rio Paraná, o esquadrão de cavalaria de San Martín enfrentou as forças da Coroa: 300 homens transportados por 11 navios vindos do porto de Montevidéu. Contra eles, 120 combatentes, divididos em duas companhias. Durante a luta, o cavalo de San Martín foi abatido e o coronel ficou com as pernas presas debaixo do animal. Alvo fácil para o inimigo, acabou salvo por dois de seus homens. O árduo treinamento que impunha a seus comandados fazia resultado. Ele acreditava que o importante era o valor individual de cada combatente, e não apenas a quantidade de homens que dispunha. Sua tese estava certa. Mesmo em menor número, a cavalaria de San Martín saiu vitoriosa.

Exército dos Andes

Para San Martín, expulsar as forças realistas que se concentravam em Lima, no Peru, era fundamental para a independência do continente. Ele traçou seu plano secreto e logo começou os preparativos. Então coronel, percebeu que tinha de sair de Tucumán, onde estava baseado, e aproximar-se da fronteira com o Chile, para estudar a cordilheira. Alegando motivos de saúde – uma tosse que o fazia cuspir sangue o acompanhou por vários anos –, San Martín conseguiu ser transferido. Recebeu o cargo de governador-intendente da Província de Cuyo, que englobava as atuais províncias argentinas de Mendoza, San Juan e San Luiz, e lá começou a organizar seu exército. Quatro mil homens enfrentariam três longos anos de preparação para a travessia. Era o Exército dos Andes.

Para garantir que as tropas patriotas não seriam surpreendidas, San Martín dividiu-as em seis frentes. Cada uma cruzaria a cordilheira num ponto diferente: uma principal, outra secundária e mais quatro de menor tamanho, atravessando pelo norte e pelo sul. Elas contariam ainda com um reforço inesperado, vindo do outro lado da montanha. Em outubro daquele ano, na cidade chilena de Rancágua, as forças realistas dariam seu mais duro golpe à resistência de Santiago. O exército de Bernardo O’Higgins foi dizimado pelas tropas fiéis à coroa e muitos, inclusive O’Higgins, atravessaram os Andes. Em busca de refúgio nas terras de Mendoza, aliaram-se a San Martín.

Na segunda quinzena de janeiro de 1817, San Martín, já nomeado general-em-chefe do Exército dos Andes, colocou suas tropas em marcha. Levando provisões para um mês, todas as seis colunas deveriam invadir o território chileno entre os dias 8 e 9 de fevereiro. Frio, fome e sede seriam os companheiros de jornada de 4 mil soldados e 1 500 ajudantes. Mas o ideal de libertação era mais forte.

No dia 10 de fevereiro de 1817, San Martín travou sua primeira grande batalha no Chile, na encosta de Chacabuco. O Exército dos Andes perdeu naquele dia 12 homens, enquanto 120 ficaram feridos. O exército realista, vindo de Santiago, teve 500 baixas e 600 soldados foram feitos prisioneiros. O comandante-geral do Reino do Chile, Marcó del Pont, bateu em retirada.

A chegada ao Chile

Quatro dias depois de Chacabuco, San Martín entrou triunfante em Santiago e foi aclamado governador do Chile. Porém, não aceitou o cargo, que foi entregue ao brigadeiro Bernardo O’Higgins. Juntos, eles criaram o Exército Unido, formado pelas tropas chilenas comandadas por O’Higgins e pelo Exército dos Andes. San Martín permaneceu general-em-chefe de toda a tropa e ainda teve de enfrentar sua maior batalha para firmar a independência chilena. Era o único jeito de abrir caminho para Lima.

No dia 5 de abril de 1818, o Exército Unido enfrentou os realistas em Maipú e impuseram fortes perdas ao inimigo – apenas 1,2 mil dos 4,5 mil soldados que enfrentaram os libertários se salvaram. Dando o norte do Chile como causa perdida, as tropas da Coroa receberam ordem para embarcar no porto de Talcahuano de volta para Lima. A independência do Chile estava consolidada.

A partir daquele momento, San Martín sabia que as gélidas águas do Pacífico eram caminho obrigatório para completar seus objetivos. O destino da América livre seria definido no mar. O general passou o ano de 1818 preparando a frota que levaria o Exército Unido até a capital peruana. Para isso, o governo independente de Buenos Aires financiou a compra de navios da Inglaterra e da América do Norte. Eles ajudaram a capturar navios espanhóis, reforçando a frota patriota, que seria comandada por um lorde escocês, o vice-almirante Thomas Alejandro Cochrane.

Em 20 de agosto de 1820, San Martín partiu na expedição que cercaria os realistas de Lima pelo mar. Eram oito navios de guerra e 17 de transporte, levando 1,6 mil homens. Foi uma batalha vencida pela estratégia. A frota patriota tomou os portos de Pisco e Callao. Dominado o acesso por mar, as tropas mantiveram Lima sitiada por seis meses, obrigando os representantes da coroa espanhola a negociar. No dia 5 de junho de 1821, os realistas tentaram salvar boa parte de seu exército batendo em retirada. Abandonaram Lima e buscaram abrigo nos vales dos Andes, mas deixaram 2 mil homens para resistir ao cerco da fortaleza de Callao. Os patriotas entraram em Lima de forma arrasadora e logo ficou evidente que a vitória definitiva seria uma questão de tempo – pouco tempo.

No dia 28 de julho de 1821, foi proclamada a Independência do Peru. San Martín aceitou o cargo de protetor do país e governou o território por um ano. Renunciou ao governo peruano em setembro de 1822, e cumpriu o que havia prometido: retirou-se da vida pública, conquistou seu ideal e deixou o caminho aberto para que o outro libertador, Simon Bolívar, expulsasse definitivamente os realistas do continente.

O general retirou-se para a França com sua filha, em fevereiro de 1824. Lá viveu até os 72 anos e morreu em 17 de agosto de 1850, em Boulogne-sur-Mer. Seus restos mortais foram transladados para Buenos Aires em 1880 e estão até hoje na catedral da cidade. Considerado também pelos argentinos como o responsável pela emancipação do país, organizou guerrilhas em Tucumán e abriu espaço para a declaração de independência da Argentina, em 1816. Ainda hoje é exaltado e chamado de “Pai da Pátria” por lá, onde não faltam praças e ruas batizadas em sua homenagem. Mas San Martín é mais que um herói local. O soldado que um dia sonhou com um continente livre entrou para a história como o libertador da América do Sul.

De enxadrista a estrategista

Aficionado por xadrez, San Martín considerava esse jogo uma forma de exercitar as habilidades de estrategista. E foi com essas habilidades que superou seu maior desafio: vencer os penhascos e desfiladeiros dos Andes. Para mapear o caminho sem despertar suspeitas, San Martín enviou a Santiago um emissário com uma mensagem ao comandante-geral do então Reino do Chile, Marcó del Pont, exigindo que aceitasse a declaração de independência do Chile. Como era de se esperar, a declaração foi rejeitada, mas o plano deu certo: na ida, o emissário cruzou os Andes por um caminho e, na volta, por outro. Enquanto viajava, tomava nota sobre os trajetos possíveis e, ao reencontrar San Martín, já tinha o mapa pronto para a grande travessia dos Andes.

site:http://historia.abril.com.br/guerra/san-martin-libertador-america-435067.shtml

Nenhum comentário:

Postar um comentário

- É proibido a postagem de links para sites cujo conteúdo não seja relacionado ao blog.

- É proibida toda e qualquer discriminação contra outro usuário do blog.

- Posts que tenham a intenção de spam serão apagados.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...