domingo, 28 de novembro de 2010

Cuba sem Fidel


O rio Jaimanitas segue, sem pressa, em direção ao mar sempre azul do Caribe. Vindo das montanhas de Quines e Santa Clara, a quilômetros dali, ele não corre: escorre preguiçoso sob o forte sol de janeiro e, quando chega a Havana, suas águas se espalham por 40 metros de largura. O historiador e escritor cubano Enrique Cirules, professor da Universidade de Havana, mora a apenas quatro quarteirões da margem esquerda do rio. Para ele, qualquer um que queira contar a história de Havana, ou de Cuba, deve começar pelo rio Jaimanitas. “Aqui, há quatro séculos os exploradores espanhóis se abasteciam de água para seguir terra adentro, de onde retiravam barcaças cheias de prata, níquel e cobre, enchiam seus galeões e partiam do porto de Carenas seguindo para a Europa”, diz Cirules. Quando o metal acabou, o Jaimanitas viu as multidões de escravos africanos serem trazidas para trabalhar nas plantações de cana. “Não há mais resquícios, mas na margem direita ficava um dos maiores mercados em que os negros eram negociados entre traficantes e fazendeiros”, afirma Cirules, olhando em direção ao vazio. Por fim, as águas verdes do Jaimanitas foram tingidas de sangue. “Aqui, os cubanos armaram barricadas para expulsar os espanhóis e conquistar sua liberdade, em 1868, no primeiro movimento de independência de Cuba, a chamada Grande Guerra.” A luta contra os espanhóis se estenderia até 1898. E esse é o primeiro capítulo da história da Cuba moderna.

Entre dois impérios

Na luta pela independência, os cubanos enfrentaram um império que, apesar de decadente, ainda era infinitamente superior em armas e tropas ao pequeno exército de colonos, que reuniu, no máximo, 12 mil homens – a maioria recrutada entre o contingente de 300 mil escravos. Os espanhóis reagiram aumentando sua presença militar na ilha, mas no fim do século 19 o poder da coroa espanhola não era mais aquele e o reforço foi formado, em sua maioria, por jovens lavradores do interior da Espanha.

Entre os convocados às pressas para salvar a Pérola das Antilhas (como os espanhóis chamavam Cuba) estava um rapazote de 20 anos, chamado Angel Castro. Angel chegou a Cuba em 1891, quase não lutou, mas foi feito cabo e, após o conflito e uma rápida volta à Espanha, retornou de vez à ilha, arrumou trabalho e fez fortuna. Antes de completar 50 anos, possuía 11 mil hectares, onde plantava cana, feijão e fumo e criava gado. Tinha oficinas, matadouro, rinhas de galos, leiteria e fábrica de queijos. Angel Castro se casou e teve filhos. Dois deles teriam seus nomes ligados para sempre à história de Cuba: Fidel e Raúl.

A partir da guerra contra a Espanha, outro nome se entremearia à história cubana para sempre: o dos Estados Unidos. “O país sempre foi um dos principais parceiros econômicos da ilha, localizada a apenas 144 quilômetros de sua costa, e desde o século anterior tornara-se o principal importador de açúcar, tabaco e frutas de Cuba”, diz o historiador americano Richard Pells, professor da Universidade do Texas. “Quando estourou a guerra pela independência, os Estados Unidos já eram a grande potência do continente. Haviam expulsado os ingleses e negociado a retirada de franceses e russos da América e não admitiriam mais a intervenção de um império europeu tão perto de seu território”, afirma Pells. Para ele, era natural que os americanos apoiassem a independência cubana.

No início foi um envolvimento tímido e restrito aos meios diplomáticos, mas isso mudaria em fevereiro de 1898, quando um navio de guerra americano, o USS Maine, explodiu e afundou no porto de Havana. Até hoje se discutem as causas do evento, mas, na época, não houve dúvidas: fomentada pela imprensa, a opinião pública americana se convenceu de que os espanhóis haviam sabotado o Maine. Em maio, o governo americano declarou guerra ao Império Espanhol. Os combates que se estenderam pelo Caribe e Pacífico levaram poucas semanas. Os americanos venceram e, em 12 de agosto, impuseram o Tratado de Paris, pelo qual os espanhóis perdiam suas últimas colônias na América: Cuba, que ganhou a independência, e Porto Rico (que permaneceu – e permanece até hoje – possessão americana), além de territórios no Pacífico (Guam e Filipinas).

Tráfico e prostituição

“A vitória na guerra atraiu grandes companhias americanas de frutas e tabaco e a presença americana em Cuba se intensificou”, diz o historiador Bruce J. Calder, professor da Universidade de Illinois, em Chicago, especialista nas relações entre os Estados Unidos e os países da América Latina e do Caribe. “Isso fez com que o governo americano passasse a intervir efetivamente para defender seus interesses na região”, afirma. Por isso, eles só deixaram Cuba, em 1902, depois de incluírem na Constituição cubana uma emenda que criava benefícios econômicos para empresas americanas. Ficou previsto na lei máxima de Cuba o direito dos Estados Unidos de invadir Cuba a qualquer momento em que seus interesses econômicos fossem ameaçados. Para Calder, a chamada Emenda Platt, na prática, manteve Cuba como um protetorado dos Estados Unidos. Situação que só seria revertida em 1933.

Efeito colateral do crescente interesse americano na ilha, a chegada da máfia também marcaria o destino de Cuba. A data emblemática dessa história é 16 de janeiro de 1920, quando foi assinada a emenda constitucional conhecida como Lei Seca, que proibiu a fabricação, varejo, transporte, importação ou exportação de bebida alcoólica nos Estados Unidos. “Cuba, por sua proximidade e pela fragilidade das instituições recém-criadas, foi envolvida nos negócios dos grupos mafiosos americanos que usavam a ilha para armazenamento e como esconderijo”, diz Enrique Cirules, autor de um livro sobre o tema, El Imperio de la Habana. O ano de 1933, em que foi suspensa a Lei Seca, coincidentemente marca o golpe de estado em Cuba, que levou o sargento e estenógrafo Fulgêncio Batista ao poder. Feito coronel (depois se autopromoveria a general), Batista se manteria no comando da política cubana pelos 25 anos seguintes.

“Um dos braços do poder de Batista sem dúvida foi a máfia norte-americana, que, com o tempo, investiu em cassinos, hotéis e cabarés”, diz Cirules. O dinheiro sujo da máfia impulsionou um verdadeiro renascimento da capital, Havana. A cidade foi reurbanizada, ganhou hotéis e clubes. Seu aeroporto internacional recebia vôos diários dos Estados Unidos (o primeiro vôo da Pan Am, em 18 de outubro de 1927, tinha sido entre Key West, na Flórida, e Havana). Cassinos como o Tropicana e hotéis como o Hilton e o Deuville abrigavam celebridades do cinema americano dos anos 30 e 40, como Ava Gardner e Clark Gable.

Depois da Segunda Guerra, no entanto, é que ocorreu o grande boom da máfia em Cuba. Sentindo-se seguro pelas amizades com os poderosos e protegido pelas autoridades policiais, Meyer Lamsky, o principal nome da máfia novaiorquina em Cuba, convidou as principais famílias mafiosas para se instalar na ilha. Entre 22 e 26 de dezembro de 1946, o Hotel Nacional de Havana foi palco da mais insólita das reuniões, digna de um filme de Martin Scorsese protagonizado por Robert De Niro ou Al Pacino. Alguns dos chefões mais procurados nos Estados Unidos, entre eles Lucky Luciano, Frank Costello, Vito Genovese, Santo Traficcante Jr, Alberto Anastacia e Giuseppe Bonnano, se reuniram para selar um pacto para explorar cassinos, cabarés, drogas e prostituição em Cuba. “Eles se reuniram no Salão de Banquetes, onde pareciam distintos cidadãos de negócios”, contou Kelvin Modes, ex-crupiê do Deuville, que testemunhou o encontro e relatou-o ao cineasta cubano Manuel Perez Paredes, autor de um documentário sobre o tema, La Mafia en la Havana, inédito no Brasil. “As principais discussões, no entanto, davam-se na suíte 212, reservada pelo anfitrião Meyer Lamsky”, afirmou Modes. A programação incluiu ainda ceia de Natal, festas privês e um show pra lá de exclusivo, cuja atração principal foi um cantor ítalo-americano que começava a fazer sucesso nos Estados Unidos: Frank Sinatra.

Havana era uma cidade alegre, cheia de vida e de oportunidades para se ganhar dinheiro. Nos anos 50, Cuba tinha o terceiro maior PIB entre os 20 países latino-americanos. Porém havia um grande desequilíbrio entre a área rural e a urbana: enquanto as cidades cresciam oferecendo infra-estrutura inédita no país, como água encanada e linhas telefônicas, o campo estava em crise com a decadência do modelo baseado nos grandes latifúndios, com a queda de produção e o aparecimento de bolsões de miséria absoluta e fome. Estima-se que 20 mil prostitutas trabalhavam nas ruas e cabarés de Havana, sendo a indústria da prostituição a mais rentável da ilha, ultrapassando a produção de frutas e tabaco. Em 1954, um médico em Havana ganhava 90 pesos por mês. No mesmo período, um crupiê recebia 1500 pesos, fora as gorjetas. Cuba ocupava o primeiro lugar na América Latina e no Caribe em número de aparelhos de televisão, com 150 mil televisores, e tinha quatro emissoras de TV. Era recordista, ainda, em número de salas de cinema e estações de rádio por habitante. Havana era a cidade onde mais se praticavam abortos na América. A terceira do mundo. No campo, 42% das pessoas eram analfabetas.

No âmbito político o clima era de instabilidade. Em março de 1952, às vésperas das eleições presidenciais e legislativas, Fulgêncio Batista, que era candidato, mas não tinha chances de ser eleito, mais uma vez promoveu um golpe militar, usurpando a presidência e se arrogando poderes ditatoriais. Misture pobreza, corrupção, um ditador violento no poder, exploração estrangeira, crise econômica e moral e profundas diferenças regionais, coloque tudo no forno quente da Guerra Fria e espere cozinhar. Pronto! Nas cidades, o resultado é uma classe média descontente. No campo, uma massa empobrecida disposta a apoiar medidas radicais. Foi esse o cenário no qual surgiram e cresceram os movimentos contrários a Batista. O pólo dos protestos era a Universidade de Havana, de onde se destacaram líderes estudantis como José Antonio Etcheverria, criador do Diretório Estudantil Revolucionário, um grupo radical armado que atacou, em março de 1953, o palácio presidencial. Foram trucidados, Etcheverria foi morto e o diretório, disperso. Mas os movimentos estudantis começavam a ganhar respaldo político – entre os partidos e movimentos sindicais – e popular.

Ao subverter as regras do jogo democrático, Batista interrompera as aspirações políticas de outro jovem líder estudantil que, em 1952, se preparava para concorrer a uma vaga no Congresso. Era o recém-formado advogado Fidel Castro, filho de Angel Castro. Depois do golpe, ele e outros jovens, incluindo seu irmão mais novo, Raúl, passaram a defender ações de guerrilha para desestabilizar o governo. Em julho de 1953, o grupo atacou a guarnição militar em Santiago conhecida como La Moncada. Na ação, alguns dos jovens foram mortos e Fidel e Raúl, capturados. Julgados e condenados a 15 anos de prisão, acabaram libertados, em 1955, por interferência de religiosos e políticos. Livre, Fidel publicou A História me Absolverá, conjunto de textos escritos na prisão que se tornou seu manifesto político. No início de 1956, desiludido com os rumos que as alianças partidárias tomavam em Cuba, ele optou pela clandestinidade. Mais uma vez ao lado do irmão, fugiu para o México. Pouca gente em Cuba soube quando voltaram, em novembro daquele ano, escondidos em um pequeno barco de passeio para iniciar uma guerra contra Batista. Dos 80 membros, apenas 15 sobreviveram aos primeiros combates com o exército. O grupo se refugiou na selva e mudou de planos: desistiu da insurreição imediata contra o governo e iniciou uma longa e lenta luta de guerrilha.

Nos meses que se seguiram, o grupo aumentaria com a adesão de camponeses, estudantes, militares, médicos e professores descontentes com o governo de Batista. Em fevereiro de 1957, o jornalista americano Herbert Matthews, do The New York Times, foi a Cuba e entrevistou Fidel, na época dado como morto pelas autoridades. Segundo o jornalista Anthony DePalma, autor de O Homem que Inventou Fidel, a série de artigos que Matthews publicou descrevia o movimento revolucionário contra a ditadura de Batista como sendo um New Deal para Cuba, um movimento radical, mas democrático e anticomunista. “Era uma imagem que naquele momento convinha para Fidel e que antecipava um certo romantismo revolucionário”, diz DePalma. “É claro que Matthews não inventou Fidel, mas, como disse Che Guevara, a entrevista de 1957 valeu tanto quanto as vitórias militares.”

Em 1958, além da liderança central do movimento embrenhada nas matas da Sierra Maestra, havia milícias em vários cantos do país. “O clima era de guerra civil e os combates atingiam quartéis, estradas de ferro e cidades inteiras”, diz Luis Fernando Ayerbe, professor da Universidade Estadual Paulista e autor de A Revolução Cubana. Em maio, depois de rechaçar uma ofensiva das forças oficiais, o movimento reuniu seus principais líderes – Fidel Castro era o comandante-em-chefe das forças revolucionárias. A partir daí, ele conduziria política e militarmente o movimento. “A vitória de maio mudaria a história da guerra. Depois dela, chegar a Havana era uma questão de tempo”, afima Ayerbe.

“Cheguei para trabalhar por volta das 3 da tarde e encontrei as portas abertas, bem antes do que era comum. Entrei e vi quatro ou cinco homens que a gente conhecia como coletores. Lembro-me de encontrá-los com as mangas das camisas arregaçadas, pistolas na cintura e enchendo sacos com dinheiro dos cofres e das máquinas de jogos. Cada um encheu cinco ou seis daqueles sacos de plástico branco e se foi, a pé, atravessando a rua no meio da multidão”, conta Kelvin Modes, ex-crupiê do Hotel Deuville, entrevistado no documentário de Paredes. “Havia confusão nas ruas, mas fui ao cassino mesmo assim, porque iria me apresentar naquela noite”, diz Armando Jaime, músico cubano, outra testemunha ouvida no documentário de Paredes. “Todos os empregados, garçons, músicos e camareiros estavam parados na calçada diante do cassino e eu disse que precisava entrar para ensaiar. Eles me disseram: ‘Hoje não vai dar’. E eu perguntei: ‘Como assim? O que aconteceu?’ A resposta foi simples e direta: ‘Não há mais show, Batista se foi’.” Era 10 de janeiro de 1959. Dia da Revolução.

De Fidel A RaúL

“Digam aos irmãos do norte que fiquem tranqüilos, não pretendo exercer meu cargo até os 100 anos”, brincou o então presidente de Cuba, Fidel Castro. Naquele 26 de julho de 2006, ele estava profeticamente certo. Fidel e os cubanos comemoravam os 53 anos do ataque ao quartel La Moncada. Fidel, há mais de 47 anos do poder e perto de completar 80 de idade, estava de bom humor e brincava com a própria longevidade. Não parecia imaginar que aquele seria o último discurso antes de deixar o posto.

Foi um discurso curto para seus padrões, apenas duas horas e meia. “Há muito mais que comemorar”, disse. “O país conseguiu reduzir a mortalidade infantil e aumentar a expectativa de vida para 76,8 anos – acima da média dos países desenvolvidos”, disse. O presidente cubano dedicou os últimos minutos de seu discurso para criticar o que chamou de desinteresse do sistema capitalista pelas questões sociais. Mais de 100 mil pessoas participaram da solenidade, na cidade de Bayamo, no leste do país, que contou com a presença de dirigentes do Partido Comunista, ex-combatentes de Moncada. Fidel foi tão conciso que não citou números que adora repetir nessas ocasiões: a menor taxa de mortalidade infantil do continente (6,22 mortes por mil nascimentos), os 97% da população alfabetizada (86,4% dos brasileiros estão na mesma condição) e a taxa de desemprego de 1,9% da população. Tampouco mencionou (nem costuma fazê-lo) os péssimos resultados da economia do país que tem uma das menores rendas per capita do continente (a 29ª) e convive com o racionamento de alimentos.

Cinco dias depois, às 19h40, os cubanos assistiram na TV a um pronunciamento do secretário pessoal de Fidel, que leu uma nota do presidente. Nela, ele dizia que se submeteria a uma cirurgia e, por isso, e para se concentrar na recuperação, transferia o controle do governo para seu irmão, Raúl. Era a primeira vez que Fidel Castro, que assumiu em 1959, deixava o cargo. A primeira vez que Cuba ficava sem Fidel.

As pessoas que escreveram e editaram essa matéria, bem como aqueles que nos deram entrevistas e deixaram gravados seus depoimentos, não sabiam se essa ausência era definitiva. Tudo indicava que era. Mas, tratando-se do homem que resistiu a três anos de guerrilha no meio da selva, à malária, a dezenas de atentados contra sua vida, a dez presidentes norte-americanos (seis deles, inclusive, já morreram) e a quase 50 anos de tabagismo, nada parece impossível.

E em 1º de janeiro de 2007, exatos 48 anos depois do dia em que a revolução tomou as ruas de Havana para dividir o mundo ao meio, Fidel estava recolhido ao hospital. E a pergunta “o que acontecerá quando ele morrer?” também divide o mundo e os especialistas. O bom humor dos cubanos tem a resposta na ponta da língua: “Como pessoas civilizadas, primeiro trataremos de enterrar o Comandante”. Piadas à parte, será que o socialismo em Cuba descerá à terra com seu caixão? Imaginar Cuba sem Fidel depende, é claro, de como você vê Cuba com Fidel.

Hospitais e eleições

Com Fidel, Cuba está entre os maiores vencedores de medalhas olímpicas, destacando-se no vôlei, no atletismo e no boxe. Na Cuba de Fidel, o presidente e o vice são eleitos pela Assembléia Geral (e não pela população em geral) para um mandato de cinco anos. As últimas eleições foram em março de 2003 e Fidel venceu com 100% dos votos, mesmo índice de Raúl, eleito vice. O país tem, hoje, o maior número de médicos e bailarinos clássicos por habitante. Toda sua população de 11 milhões de habitantes tem direito ao acesso gratuito à saúde e à educação. E desenvolve um programa para atender, nos próximos dez anos, 6 milhões de latino-americanos com deficiência visual – gratuitamente. Em Cuba só há jornais e revistas consentidos pelo governo.

“Para quem comunga das visões do Comandante, o que se espera de seus sucessores é a continuação de um projeto que ainda não se revelou completo, mas que sem dúvida trouxe mudanças importantes para a população pobre de Cuba”, diz o jornalista alemão Volker Skierka, correspondente na América Latina do jornal Sueddeutsche Zeitung, que acaba de publicar uma biografia de Fidel.

Para quem quer ver a economia de mercado de volta a Cuba, a saída de Fidel é a hora da mudança. “A postura personalista e irredutível de Castro impediu qualquer iniciativa de mudança real na organização econômica e política, mesmo depois do colapso econômico da era pós-soviética. Com seu afastamento, essa bolha deve estourar e o povo cubano vai pressionar em favor de mudanças urgentes”, diz a historiadora Holly Ackerman, da Universidade de Miami.

Quando o tema é economia, uma das questões mais candentes na transição para uma Cuba pós-Fidel é a sobrevivência ou não do bloqueio americano, que já dura quase 45 anos. O embargo foi, durante os anos de Guerra Fria, compensado pela ajuda soviética e pelo intercâmbio com o bloco socialista. Após o fim da União Soviética, em 1992, a economia cubana entrou em colapso e até setores sagrados para o corolário socialista vêm sofrendo com a falta de recursos. De lá para cá, os gastos do governo com educação, por exemplo, foram reduzidos em 35% e as matrículas nas universidades caíram pela metade. “Nos últimos 20 anos, o desafio cubano tem sido abrir-se para a economia mundial sem abrir mão das conquistas da revolução”, diz Holly Ackerman. O fim do bloqueio ajudaria? “É claro que sim. Pelo menos teríamos a exata noção da saúde e do tamanho da economia cubana. Porém, além do fim do bloqueio, outras questões precisarão ser discutidas. Cuba admitiria se adequar aos organismos internacionais que regem o comércio? Isso sem falar em conviver com imprensa, partidos políticos e eleições livres, antigas reivindicações da comunidade internacional que jamais tiveram aderência junto ao governo de Fidel.”

A historiadora brasileira e biógrafa de Fidel Claudia Furiati acredita que a sucessão já começou há algum tempo. “Um afastamento definitivo vai gerar um grande sentimento de perda no povo cubano, mas acho que eles já estavam sendo preparados para isso”, diz Claudia. Ela acredita, ainda, numa mudança nas relações de Cuba com os americanos. “Deve haver maior diálogo, até porque a direita cubana no exílio tem perdido seu poder de influência, haja vista as últimas eleições legislativas nos Estados Unidos. Tenho a impressão de que a distensão pode chegar à revisão, pelo menos parcial, do embargo comercial.”

O teólogo Frei Betto, que esteve em Cuba para o aniversário de Fidel – comemorado com atraso em dezembro –, concorda que tudo indica que ele já começou a expressar seu testamento político. “A maioria dos membros do Partido Comunista tem de 40 a 50 anos e cada vez mais jovens ocupam funções estratégicas. Como 70% da população nasceu depois de 1959, não há indícios de anseio pela volta ao capitalismo”, afirma. Para Frei Betto, Cuba não quer como futuro o presente de tantas nações latino-americanas, onde a opulência convive com o narcotráfico, a miséria, o desemprego e o sucateamento da saúde e da educação.

“Não acredito em mudanças significativas. Sem Fidel, o novo governo vai estar preocupado demais com a segurança do regime contra investidas e infiltrações de Miami e com as pressões de segmentos da população que queiram deixar o país”, diz o historiador Kepa Artaraz, da Universidade de Wolverhampton, na Inglaterra. “A elite do poder em Cuba – Raúl, [Felipe] Perez-Roque [ministro de Assuntos Exteriores] e Ricardo Alarcón [presidente da Assembléia Geral] – continuará liderando o país nessa fase”, afirma Artaraz. Para ele, Raúl Castro tem algumas características que indicam que ele dará estilo próprio à presidência. “Como comandante militar, ele estará particularmente preocupado com as questões de segurança do regime. No campo político, Raúl é mais pragmático que Fidel e mais apto a organizar e delegar responsabilidades. Ele levará ao poder os jovens com idéias novas, preparando-os para suceder a geração de 70 anos”, completa o especialista.

"Nada vai mudar quando Fidel morrer. A Revolução é maior que ele ou Raúl,é um sentimento arraigado em Cuba, desde a independência. O comunismo tem seus defeitos, mas é o melhor sistema que há, o mais justo. Temos saúde e educação para todos, ninguem aqui morre de fome ou pede esmola na rua."

Jorge Sanchez, advogado, 38 anos

"Se eu temo a morte do Comandante? Meu filho, nem a minha morte eu temo mais. Na verdade eu não sei se o comunismo fez bem ou não para Cuba. Olhe para mim. Estou aqui lhe pedindo dinheiro porque tenho fome e sede. Mas a culpa não é de Fidel. É do embargo dos Estados Unidos, isso sim."

Marcelino Santos, pedinte, 61 anos

"Hoje moro em Quito porque minha mãe conseguiu uma ‘carta-convite’ para trabalhar fora. Mas estamos juntando dinheiro para ir a Miami, sonho de todo cubano. Olha o luxo desse hotel cinco-estrelas em que estou passando as férias! Nos Estados Unidos é tudo assim, aqui em Havana isso é exceção."

Lizandra Martins, estudante, 17 anos

"O comunismo é uma farsa, só funciona na teoria. Mas eu tenho medo da morte de Fidel, sim, porque tudo pode ficar ainda pior. Queria ter liberdade e dinheiro para viajar para o Brasil, por exemplo. Não vou comemorar o Ano Novo, nem tenho muito motivo. Aqui as pessoas são felizes por fora, mas tristes por dentro."

Yan Cortez, estudante, 27 anos

"Eu preciso de dinheiro para comprar mais remédio. Mesmo assim, sou imensamente feliz em meu país. Viva a Revolução, garoto! Olha para o Malecón: isso aí, antes do Fidel, era manchado de sangue, as pessoas se matavam. Hoje ele não deixa isso acontecer. O Comandante nunca vai morrer!"

Antonio Gutierrez, aposentado, 78 anos

"Minha mãe trabalha no Museu do Rum, então eu fico aqui esperando ela. Gosto de ficar aqui porque vejo as coisas legais dos turistas. Eles me dão chicletes, tiram fotos comigo em suas câmeras bonitas, me mostram seus tocadores de MP3. Eu queria que tivesse mais dessas coisas bacanas aqui em Havana. Ia ser bem mais legal."

Diane, estudante, 9 anos

site:http://historia.abril.com.br/politica/cuba-fidel-435115.shtml

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