domingo, 19 de dezembro de 2010

Esparta X Atenas: a briga estúpida de duas irmãs


Você deve ter aprendido que as duas cidades-estados mais poderosas da antiga Grécia eram inimigas – e completamente diferentes. Os atenienses valorizavam a arte e a literatura, brigavam por participação popular no governo e eram grandes navegantes. Os espartanos achavam que homem que é homem fala pouco, louvavam a obediência acima de tudo e, se tivessem que guerrear, que fosse em terra firme.

As relações entre Atenas e Esparta eram de amor e ódio. Durante a guerra contra os persas, as duas cidades comandaram lado a lado a resistência ao invasor – Esparta em terra e Atenas no mar.

Mas os conflitos de interesses (para ver qual das duas ficaria com o controle das outras cidades gregas e do comércio com a Ásia) e as diferenças ideológicas (entre a democracia ateniense e rigidez espartana) acabaram levando as duas a uma baita briga, na qual a Grécia inteira afundaria.



SEPARADAS NO BERÇO

Embora a origem das duas cidades seja misteriosa, parece certo que os atenienses chegaram primeiro. Eles já ocupavam a península da Ática desde o período micênico (antes do século 13 a.C.). Costumavam se considerar autóctones, isto é, eles achavam que seus antepassados tinham nascido por ali mesmo. Por volta de 700 a.C., toda a região, composta por assentamentos rurais relativamente distantes uns dos outros, já se constituía numa unidade política comandada por Atenas. O solo pobre produzia trigo, uva e azeitona e fornecia a argila para produzir a boa cerâmica, que logo se tornou um dos principais artigos de exportação.

Já em Esparta todo mundo sabia que era recém-chegado. Os espartanos eram dórios, um dos quatro principais grupos étnicos em que se dividiam os gregos (aqueus, jônios e eólios eram os outros). Chegaram ao sul da península grega (o Peloponeso) vindos do noroeste. Derrotaram os antigos habitantes e transformaram alguns em vassalos. Outros viraram escravos e tinham de cultivar as terras dos cidadãos espartanos.

Seu domínio se estendia apenas pela Lacônia (onde ficava a própria Esparta), mas uma bem-sucedida expansão para o oeste acabou lhes dando também a fértil Messênia.

Acontece que uma minoria de nobres abocanhou a maior parte das terras da Messênia. Os cidadãos mais pobres se revoltaram e conseguiram redistribuir a terra. Além dessa “reforma agrária”, obtiveram o direito de vetar as decisões dos dois reis (sim, havia dois deles em Esparta) e da Gerúsia (Senado).

As mudanças em Esparta brotaram dos mesmos problemas que atazanavam Atenas nos séculos 7 e 6 a.C. Ali também só uma minoria de cidadãos, de origem nobre, podia exercer os principais cargos públicos. Os homens livres, porém pobres, tinham que se virar com pedaços de terra que mal davam para o seu sustento – e viviam sob a ameaça da escravidão por causa das dívidas.

As reformas do político e poeta Sólon (por volta de 590 a.C.) acabaram com essa prática e permitiram que pessoas ricas de origem plebéia entrassem na política. Quem se aproveitou disso foi Pisístrato, que assumiu o poder na cidade.

O governo do tirano até que conseguiu trazer um pouco de paz às terras atenienses, mas bastou que ele morresse para que a cidade voltasse às turras. Seus filhos Hípias e Hiparco brigaram para ficar no poder. Aí entra em cena Cleômenes, um dos reis de Esparta.

“Até então, parece que havia pouco contato entre as duas cidades. Nem mesmo cerâmica ateniense foi encontrada em Esparta, ou vice-versa”, afirma o historiador José Francisco Moura, da Universidade Veiga de Almeida, no Rio de Janeiro. “A cerâmica era uma espécie de saquinho plástico do mundo antigo, que transportava de azeitonas até lixo.”

DEMOCRACIA JÁ

Por volta de 520 a.C., Esparta havia se tornado a potência dominante do sul da Grécia, à frente da chamada Liga do Peloponeso. Os espartanos passaram a ter interesses mais amplos e, além do mais, tinham fama de não tolerar tiranos. Nada melhor que unir o útil ao agradável e restaurar o governo legítimo em Atenas – um governo que seria eternamente agradecido (e, talvez, subordinado) a Esparta.

Foi o que Cleômenes fez em 510 a.C., botando Hípias para correr. Porém, as lutas na cidade não cessaram. Em meio a uma guerra civil, quem estava levando a melhor era Clístenes, um membro da nobreza que propunha uma lista de reformas que, na prática, criava uma democracia. O rei de Esparta não gostou da idéia e se dispôs a derrubar o novo regime em favor de um amigo ateniense, Iságoras. Mas a flecha saiu para o lado errado: embora conseguisse tomar a Acrópole, sede do poder ateniense, Cleômenes não contava com a resistência do povo comum, que o cercou e acabou forçando-o à rendição.



LÁ VEM O XERXES

Vinte anos depois da ascensão da democracia em Atenas e da derrota de Cleômenes, as duas potências tiveram de colocar as diferenças de lado para enfrentar um problema maior. Liderado pelo rei Xerxes, o superpoderoso Império Persa lançou um ataque maciço contra a Grécia. Atenas e Esparta decidiram resistir. Graças a sua aliança com quase todas as cidades do Peloponeso, os espartanos ainda eram os mais poderosos dos gregos, mas sua força só era realmente respeitável em terra. Os persas, no entanto, atacavam por terra e por mar – e, no oceano, a frota ateniense foi fundamental. Durante alguns anos, a parceria foi um sucesso. Em 480 a.C., a frota unida dos gregos esmagou as forças persas. “No fim das contas, os gregos deveram sua libertação não apenas a Esparta, mas principalmente a uma Atenas que Cleômenes tinha criado por engano, e que fizera de tudo para destruir”, afirma W.G. Forrest, historiador da Universidade de Oxford e autor do livro A History of Sparta (“Uma história de Esparta”, inédito em português).



AMIGO VIRA INIMIGO

Ao longo do século 5 a.C., Atenas se transformou na principal potência marítima da região. A princípio, muitas das cidades gregas aceitaram se aliar a ela, mas, aos poucos, o que era uma liga de alianças acabou virando um império. Para Francisco Moura, cidades como Corinto, que fazia parte da Liga do Peloponeso e também tinha interesses marítimos, acabaram levando Esparta a entrar em conflito com Atenas.

As duas gigantes ficaram frente a frente na chamada Guerra do Peloponeso, em 432 a.C. A princípio, os atenienses conseguiram escapar do pior dominando os mares e se refugiando atrás de suas muralhas. A captura de centenas de soldados espartanos no próprio Peloponeso chegou até a instaurar uma paz passageira entre os rivais. Mas Atenas perdeu a maior parte da frota num ataque desastrado na costa da atual Itália, e os espartanos aproveitaram para contra-atacar. Dessa vez financiados por um inusitado aliado, os persas, eles possuíam uma frota respeitável.

O conflito terminou com a vitória de Esparta em 404 a.C. Mas nenhum dos dois lados saiu realmente vencedor. Atenas perdeu os navios que lhe tinham restado e as muralhas que defendiam a cidade e, em Esparta, o impacto da guerra foi ainda maior. Apesar da vitória, a sociedade espartana desmoronou – as riquezas vindas do ex-império ateniense exacerbaram as diferenças sociais entre os espartanos.

Na cidade, a concentração de terras voltou com tudo, e o número de homens com direitos de cidadania – e que formavam o coração do Exército espartano – diminuiu muito. É que só os homens que podiam contribuir financeiramente para as refeições do Exército eram considerados cidadãos plenos, e muitos espartanos tinham ficado pobres demais para isso. Ao ser esmagado em Leuctra pelos soldados da cidade de Tebas, em 370 a.C., o Exército de Esparta contava com pouco mais de mil soldados, uma mixaria.

Por algum tempo, até a metade do século 4, Tebas se tornou o poder dominante da Grécia, ao lado de uma Atenas recuperada da guerra e ainda democrática. Esparta tinha virado carta fora do baralho: perdeu até a Messênia (os tebanos proclamaram a independência da região).

Mas uma nova força estava surgindo no tabuleiro: o rei Filipe, da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande. Em 338 a.C., ele exterminou as forças combinadas de Atenas e Tebas. Era o fim da independência da Grécia.

site:http://historia.abril.com.br/guerra/esparta-x-atenas-briga-estupida-duas-irmas-435524.shtml

Nenhum comentário:

Postar um comentário

- É proibido a postagem de links para sites cujo conteúdo não seja relacionado ao blog.

- É proibida toda e qualquer discriminação contra outro usuário do blog.

- Posts que tenham a intenção de spam serão apagados.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...